domingo, 1 de fevereiro de 2009

Secretário do Meio Ambiente paulista defende a cobrança pelo uso da água e quer agilizar licenças ambientais - Entrevista com Xico Graziano

Xico Graziano tem o campo em seu DNA. Já ocupou a presidência do Incra e a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Agora está na pasta do Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Seu desafio é enfrentar os graves problemas do saneamento no Estado de São Paulo e trabalhar para que o licenciamento ambiental seja ágil e eficiente, tanto sob o olhar da proteção do meio ambiente, como para garantir os investimentos necessários para superar os bolsões de subdesenvolvimento que o Estado mais rico da federação ainda mantém como chagas em seu caminho para a sustentabilidade.
Nesta entrevista ao jornalista Adalberto Wodianer Marcondes, o secretário Xico Graziano fala de suas metas e sobre como colocar o Estado em um patamar de excelência em gestão ambiental.

RA: Quando o senhor assumiu, trouxe à pasta uma parte da gestão dos recursos hídricos no Estado de São Paulo. O que de fato isso significa?

Graziano: Na verdade, não foi somente uma parte, nós trouxemos todo o gerenciamento de recursos hídricos que era feito pelo DAEE através da coordenadoria que cuidava de energia, recursos hídricos e saneamento. E hoje, toda a parte de recursos hídricos faz parte da equação ambiental. Essa equação é um sinal dos tempos. E eu tenho uma compreensão de que se hoje a questão das florestas é que mobiliza mais a atenção das pessoas, logo mais, possivelmente, será a água o centro da questão ecológica. É possível que, no futuro, a política ambiental tenha como luta fundamental a questão da água, porque ela é um recurso fundamental para o desenvolvimento.

RA: A água é também um elemento para a equação de desenvolvimento. Como o senhor vê a distribuição do desenvolvimento no Estado e a capacidade de ele continuar a se desenvolver e sua vinculação com a água?
Graziano: O mercado seleciona naturalmente, os empreendedores sabem que os negócios deles precisam de uma certa fartura de água, o que não existe mais em algumas regiões. O que vai mudar, além dessa seleção que o mercado faz, é que, com a implementação da cobrança do uso da água, a outorga de água passará a ser mais seletiva e onerosa, e o cadastro necessário para fazer a cobrança de uso de água irá permitir um gerenciamento que hoje em dia é feito sem muito rigor, sem muito critério. E a implementação da cobrança pelo uso da água, que deverá ser feita até o fim do nosso governo, irá permitir um gerenciamento melhor e isso servirá como uma forma a sinalizar as outorgas.

RA: Os rios paulistas estão em situa­ção preocupante sob o ponto de vista ambiental, e o Tietê é um deles. A gestão de saneamento de Guarulhos vai poder, por muitos anos, despejar o seu esgoto no Rio Tietê. Como o senhor vê esse tipo de problema?

Graziano: No que depender de mim, o município de Guarulhos não terá os 30 anos que solicitou e conseguiu do Ministério Público para fazer o tratamento de seu esgoto. Sob o ponto de vista ambiental, esse é um prazo inadmissível, mas como teve uma interferência do Ministério Público, eu não sei como esse pacto poderá ser alterado. Já pedi ao procurador-geral da Republica que me ajude nisso. Entre os nossos projetos prioritários esse é um deles, e é um bom exemplo, porque junta o tema água às questões ambientais. É impossível você falar em proteção de água se você não trata o esgoto doméstico. E é curioso porque até a década passada sempre se deu mais atenção à poluição causada pelas indústrias, e se deixou de lado a questão do esgoto doméstico, uma carga muito grande. O Estado de São Paulo até que está indo muito bem; o Projeto Água Limpa cuidou de municípios pequenos, com uma engenharia financeira muito interessante que usava recursos vindos do SUS também para o saneamento. Me parece que o programa da Funasa faz com que alguns municípios tenham recursos da Caixa Econômica Federal para instalar estações de tratamento, o que gastará alguns milhões, porque é uma coisa muito cara, mas é inadiável e precisa ser feito.

RA: Nos anos 70, foi criado o sistema das estatais de saneamento. Os contratos de concessão eram de 30 anos e estão quase todos vencendo. Muitas prefeituras estão vendo nessa brecha a oportunidade de mudar a sua forma de gestão de abastecimento e saneamento. Algumas estão contratando empresas privadas ou criando consórcios ou estatais de gestão da água. Do ponto de vista da organização do sistema, este não é um momento um pouco preocupante e frágil para o abastecimento?

Graziano: Isso ainda não me ocorreu, mas eu não vejo isso como um problema. Existem municípios que fazem muito bem o serviço, para outros o trabalho da Sabesp é excelente e também tem os casos contrários, que são abastecidos pela Sabesp e que não tratam nada. E tudo isso tem de ser muito monitorado. O que está acontecendo é que a Sabesp passa por um processo de incorporação da gestão de saneamento básico à questão ambiental. Foi criado na Sabesp um núcleo que cuida da gestão ambiental e isso está sendo fundamental, e as diretorias da Sabesp e da Cetesb estão fazendo reuniões rotineiras entre seus presidentes e diretores. No passado isso não era possível, elas só sabiam brigar, pois a Sabesp sempre foi muito multada pela Cetesb. Espero também que esse movimento seja feito nos serviços autônomos.

RA: O senhor tem uma história na área da agricultura no Brasil, e a agricultura é uma das áreas de maior consumo de recursos hídricos no seu processo produtivo. Dados apontam que cerca de 70% do consumo da água em atividades produtivas é feito na agricultura. É possível racionalizar o uso da água na agricultura e modernizar esse processo?

Graziano: Primeiro eu acho que esses dados estão atrasados, porque esse tipo de consumo de água tem caído muito por conta das novas tecnologias de gotejamento, apesar de o sistema jogar muita água fora, mas isso passou a ser um bem e está sendo cada vez mais controlado. Por exemplo, os sistemas de irrigação de café, em Minas Gerais, de fruticultura e de citricultura são todos feitos por gotejamento, consumindo pouquíssima água. Isso está se modificando e os dados não estão computados.

A irrigação é, com certeza, a que mais consome água, mas hoje temos sistemas que amenizam, e está surgindo o produtor que é ou poderá ser um produtor de água. O agricultor usa a água e a devolve ao subsolo. Então, vamos seguir por um caminho em que a irrigação será cada vez mais econômica e produtiva e o produtor de água será cada vez mais valorizado. Eu estou pensando em formalizar melhor na legislação, pelo menos aqui no Estado de São Paulo, essa figura jurídica que é o produtor de água, isso não existe. É aquele agricultor que é dono do pedaço de território onde tem uma nascente. Ele protege, capta, faz a conservação daquela água, portanto ele é um produtor de água e deveria ser recompensado por isso. Nós precisamos investir mais em produção de água.

RA: Um dos problemas culturais que o brasileiro tem em relação à água se reflete na construção das nossas cidades. As nossas cidades estão de costas para os rios, um exemplo é o Vale do Paraíba. O senhor acha que, culturalmente, o brasileiro não tem uma boa relação com os rios e com as águas? Dá pra se fazer alguma coisa para mudar isso?

Graziano: Tomara que sim. Eu sempre gostei muito de pescar, uma das minhas paixões é estar à beira de um rio, e eu testemunhei a modificação do Mogi-Guaçu, porque moro ali em Araras. Já morei também em Jaboticabal, já visitei e presenciei diversos rios e é impressionante como suas margens estão sendo desmatadas. Eu concordo que não existe muito respeito pelos rios, tanto é que muitos usam o rio como local para se jogar as coisas. Acredito que as pessoas devem ter preocupação com os rios, e essa é uma das razões pelas quais eu quero investir muito nisso.

RA: A sua secretaria tem também um papel educador nessa questão ambiental. O que a Secretaria do Meio Ambiente pode fazer e como ela vai trabalhar nesse papel educador?

Graziano: Eu quero que ela faça muita coisa. A educação ambiental não só será prioritária como terá uma estrutura própria de operação. Quero a educação ambiental no mesmo nível das coordenadorias de planejamento e de recursos hídricos e de proteção da biodiversidade. Nós vamos fazer uma reengenharia na secretaria para criar um núcleo com quadros que irão trabalhar com isso. Vamos fazer muitas coisas, mutirões ambientais, um programa de educação ambiental nas escolas públicas. Hoje em dia, a educação ambiental só é tratada nas escolas em épocas comemorativas, não há um programa consistente. Eu penso em educação ambiental como algo que não visa somente crianças, mas outras idades, queremos fazer ações que alterem o comportamento das pessoas. Vou precisar da ajuda de muita gente, principalmente da mídia, pois não conseguirei fazer isso sozinho. Estamos pensando em fazer campanhas, em dias concentrados sobre determinados temas, e realizar uma série de atividades, chamando a atenção das pessoas. Meio ambiente não é só uma coisa que o Estado tem de fazer, o cidadão também pode fazer sua parte.

RA: Por que o senhor acredita que o governador José Serra o colocou nesse cargo, neste momento?

Graziano: Acho que, ao certo, só ele mesmo poderá responder. Eu tenho uma determinação semelhante à do governador, que é a de fazer as coisas acontecerem, de fazê-las efetivas. Eu acredito que a minha escolha foi uma adequação da gestão ambiental, e a minha capacidade de gestão é que foi determinante. Não foi o meu ambientalismo, não houve nenhuma razão política, não fui indicado por ninguém. Ultimamente, o meio ambiente está muito cheio de discurso, de seminário, de estudos, mas com pouca ação, então a orientação que eu tive foi essa, a de fazer as coisas acontecerem.

RA: Do ponto de vista de desenvolvimento, o meio ambiente é acusado de ser o grande atravancador do desenvolvimento do país. O meio ambiente tem essa culpa?

Graziano: Para uma visão atrasada de desenvolvimento, eu até acredito que sim. Mas numa visão moderna, claro que não. Tem pessoas que vêem o desenvolvimento como algo para se arrumar emprego e renda, pouco pensando nas conseqüências futuras. Agora, se você vê o desenvolvimento como sustentável, acabou o problema. Tem pessoas que acham que o meio ambiente é atravancador, o que não se justifica. O fato é que o licenciamento ambiental é um serviço muito difícil, muito cheio de nós e sem transparência.
Melhorar a questão do licenciamento ambiental é uma das metas da minha gestão, quero desburocratizar os serviços de licenciamentos. Os processos ligados ao meio ambiente podem ser mais rápidos e eficientes e esse é um desafio nosso. Vamos colocar todas as informações de licenciamento na internet, para que todos saibam o que se passa com determinada empresa ou obra.

Fonte: Revista Água - Gestão e Sustentabilidade