Vera Bononi
Sobre revitalização de bacias hidrográficas, hoje existem muitos cursos e programas de pós-graduação, trabalhos e experiências que deram mais certo e menos certo, e muita discussão acerca da terminologia que se aplica aos diversos casos. Como mensagem inicial, seis regras são consensos no mundo inteiro e também no Brasil.
Primeira regra para revitalizar uma área: cada caso é um caso. Não existe uma receita pronta que se possa multiplicar e aplicar nos diversos locais. Cada área tem suas próprias características. É lógico que é possível verificar o que foi feito em outras regiões, consultar outros trabalhos e ten-tar adaptá-los a uma situação particular.
A segunda regra é cessar ou, pelo menos, diminuir muito o que está causando o dano. Não adianta tentar consertar, se a poluição, ou a causa do problema continua. Se há desmatamento, erosão ou assoreamento, se não se interromper o desmatamento, é um trabalho insano ficar tentando consertar a situação sem controlar a causa. Se há chuva ácida em um lugar, pode-se plantar muitas vezes a mata ciliar, mas não haverá recuperação do local. É importante cessar ou diminuir a causa da poluição.
Planejar é a terceira regra. Não se recupera nada sem base em um levantamento de dados e sem ter um bom planejamento.
A quarta regra é sempre iniciar pela montante, pelas áreas mais altas, porque na recuperação em pontos mais baixos corre-se o risco de ter de começar tudo outra vez quando se forem recuperar as nascentes.
Monitoramento é a quinta regra. Não basta fazer. Por exemplo, às vezes após o plantio, se não houver controle de formigas, em poucos dias não haverá nada no local. É necessário monitorar. O ideal é que se faça o monitoramento por muito tempo. No mínimo, dois anos seriam precisos para ter a certeza de sucesso.
Sexta regra: é sempre mais barato proteger, prever, manter, do que recuperar. A recuperação, seja do que for, seja de que modo for, é sempre mais cara do que as medidas de proteção e com chance de sucesso sempre relativo.
Esta é a mensagem geral que queria transmitir. Na Secretaria do Meio Ambiente há vários projetos e iniciativas que tratam de proteção e conservação da biodiversidade. Vou citar apenas alguns trabalhos dos quais participei. O primeiro foi em 1995, na bacia do Guarapiranga. Nessa época, embora tenha conseguido revegetar grande área na margem da represa, fazer quatro parques e construir vinte praças na região, sempre ficou no final um sentimento de frustração. A Sabesp trabalhou junto no projeto, com recursos do Banco Mundial, instalou uma infinidade de canos para coleta de esgotos, estações elevatórias foram implantadas, mas até o momento não está 100% funcionando.
Embora se tenha feito um grande esforço para recuperar a represa, fica uma sensação desagradável na boca porque a qualidade da água continua inadequada e não foi resolvido o problema da população que mora no entorno. A recuperação nem sempre abrange tudo, o sucesso é parcial, e deixa a sensação de missão não cumprida, mesmo que muito trabalho tenha sido desenvolvido na região.
Há vinte anos, o Instituto de Botânica trabalha na recuperação de áreas degrada-das. O coordenador é Luiz Mauro Barbosa. Os recursos para isso têm vindo da FAPESP e do Banco Mundial. Na prática, o Estado de São Paulo foi percorrido e as áreas em recuperação foram cadastradas. Em 101 áreas visitadas havia 247 espécies vegetais. É bastante, mas em termos. No Parque do Estado, onde está o Jardim Botânico, mais de mil e cem espécies foram identificadas: 247 é relativamente pouco. Porém, a maioria das áreas não tinha mais de trinta espécies e em muitas havia apenas cinco. Os viveiros do Estado que tinham plantas nativas também foram cadastrados. Alguns mostraram boa produção dessas plantas, mas na maioria se restringia a 15, 30 espécies.Verificou-se que era preocupante a situação da vegetação no Estado. São muito poucas as espécies usadas para recuperar uma porção de áreas. O maior número de espécies utilizadas nos reflorestamentos é de pioneiras que não precisam de sombra e têm vida curta. Depois vêm as secundárias, que já precisam de um pouquinho de sombra para crescer e crescem mais devagar e, finalmente, quando o solo é bom, tem matéria orgânica e sombra, surgem as espécies clímax, grandes e valiosas árvores de madeira nobre.
A distribuição dos viveiros no Estado é irregular. Nas zonas noroeste e sul existem menos viveiros que nas demais regiões. Para incentivar a recuperação das florestas e conservar a biodiversidade, a Secretaria do Meio Ambiente propôs políticas públi-cas por meio de resoluções. A primeira, de 2001, fixa orientação para o reflorestamento heterogêneo em áreas degradadas. A Resolução SMA-08, de 2008, disponibiliza uma relação de 700 espécies e uma lista dos viveiros. Também inclui uma chave de tomada de decisão para cada situação encontrada em campo, sempre considerando a presença ou não de banco de sementes nas proximidades. No projeto de pesquisa ambiental da SMA, que envolve cerca de 250 cientistas, temos quatro grandes linhas de trabalho que estão relacionadas com biodiversidade e conservação: recursos hídricos, biodiversidade e conservação, bioprospecção e mudanças climáticas globais. A Secretaria tem um projeto de Recuperação de Mata Ciliar desenvolvido pela engenheira agrônoma Helena Carrascosa von Ghlen, coordenadora de Biodiversidade e Recursos Naturais, que selecionou algumas bacias para recuperar a mata ciliar. Esses trabalhos estão em andamento há quase quatro anos. As bacias foram selecionadas em função da disposição da comunidade participar dos projetos de recuperação e ceder terrenos para o plantio e conta com o auxílio do Banco Mundial. O Instituto Botânico participa do projeto.O projeto Biota/Fapesp envolveu 160 pesquisadores de universidades e institu-tos de pesquisa do Estado e uma ONG, a Conservação Internacional. Desse projeto surgiu a publicação da qual sou coordenadora junto com Ricardo Ribeiro Rodrigues: “Diretrizes para a conservação e restaura-ção da biodiversidade no Estado de São Paulo”. Foram desenvolvidos vários mapas temáticos. O trabalho considera as bacias hidrográficas na distribuição da biodiversidade no Estado. É um ponto de partida para a definição de medidas para a conservação da biodiversidade.
Fonte: Correnteza (SMA)