quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Amazônia além do discurso

Daniela Chiaretti

Em um workshop ministrado há alguns dias por ambientalistas a pecuaristas preocupados em colocar seus bois na linha, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues relatou o diálogo que teve com um pequeno produtor em viagem recente à Holanda. Rodrigues observava a grama bem cortada da fazenda do sujeito quando viu três pontos onde deixaram de passar a máquina. Perguntou o motivo. Ali dentro, explicou o holandês, estava o bulbo de uma espécie ameaçada, por isso ele deixava o entorno intacto. O governo, acrescentou, recompensa quem preserva a tal planta. "Fiquei encantado com aquilo", confessou o atual coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas. "O que é lei é lei, tem que ser cumprido e fim de papo", disse peremptoriamente, antes de concluir: "Mas não pode mais só punir. Tem que criar um cadastro positivo dos que cumpriram a lei. Há que existir uma vantagem para quem fez direito". O discurso é redondo e articulado. Segue o que dizem há umas duas décadas os que se preocupam em manter a floresta preservada. Mas também, convenhamos, é meio esquisito.

Na entrevista que concedeu em São Paulo durante o lançamento da Aliança Brasileira pelo Clima, Carlo Lovatelli, presidente da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), elencou os efeitos positivos da moratória da soja, lembrou a pujança inegável do setor e respondeu à provocação de um jornalista europeu que perguntava quem afinal desmata no Brasil se todos se declaram contrários à derrubada: "O desmatamento será declinante na medida em que tenhamos incentivos pelos pagamentos dos serviços ambientais", respondeu. Na sequência, deixou mais claro o que tinha em mente: "À medida em que se tenha uma verba para o desmatador, legal ou ilegal não vou nem entrar no mérito, a gente começa a baixar o desmatamento". Dito assim, o argumento fica mais esquisito.

Dá alergia pensar que o discurso lindo da defesa da Amazônia, que parece ter atingido como um raio todo o governo e todas as lideranças do agronegócio, pode embutir uma chantagem. Custa caro não desmatar - além da perda de remuneração financeira por não produzir algo, há os custos de manutenção da floresta. Mas embrulhado na reivindicação de premiar quem preserva (demanda histórica de seringueiros, ribeirinhos, agricultores familiares e povos indígenas hoje incorporado ao setor produtivo) está a ameaça que, se o dinheiro não vier, o desmatamento será inevitável. Em um mundo aquecido esta relação direta é sinistra. Em um mundo prestes a negociar um acordo climático onde os países desenvolvidos têm que cortar emissões e o Brasil tem que preservar a Amazônia (o que custa caro e alguém terá que pagar), pode ser uma bela oportunidade. Chato é o oportunismo desta conversa. "O desmatamento zero é como o desenvolvimento sustentável - de repente todo mundo defende desde criancinha" ironiza Sergio Leitão, diretor de campanhas do Greenpeace. "O problema é que ninguém quer nem ouvir falar em recuperar o passivo ambiental."

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Fonte: Ecofinanças